“Porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado, e o governo está sobre os seus ombros. E ele será chamado Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso, Pai Eterno, Príncipe da Paz” – Isaías 9:6
Originária do latim Nãtãlis, a palavra Natal significa nascimento. Para os cristãos, é a celebração do milagre do nascimento de Jesus Cristo, que veio na condição de filho de Deus, assumindo a forma humana para que se pudesse crer na salvação e despertar a esperança no Deus Vivo. Porém, a sociedade em geral e os valores impostos por ela vêm, ao longo dos anos e cada vez com mais intensidade e furor,deturpando o verdadeiro sentido deste período. Nesta época, quando se deveria reverenciar a Papai do Céu, reverencia-se a Papai Noel.
Este personagem foi inspirado em São Nicolau, arcebispo de Mira (Turquia), que viveu no século IV e foi declarado santo depois que muitos milagres lhe foram atribuídos em razão de seu costume de ajudar anonimamente a quem estivesse em dificuldades financeiras, colocando sacos de moedas de ouro nas chaminés das casas. Mas, foi no século XX que essa figura adquiriu as características que conhecemos hoje, por meio da propaganda de uma grande indústria de bebidas, que o retratou como “bom velhinho”, alegre, barbudo e gordinho, repleto de magia e presentes para as criancinhas.
A jornalista Cynara Moreira Menezes é uma das pessoas que não se conforma com os novos contornos da principal festa cristã do mundo. “Meu lado cristão de formação se revolta ao ver que o Natal se transformou nessa ‘pseudo’ festa religiosa, vazia de significado espiritual. Se os cristãos fossem de fato cristãos, tinham de estar preocupados que o nascimento de Jesus perdeu o lugar para o consumismo que o Papai Noel representa. Dá para começar em casa, montando o presépio com as crianças, como aconteceu no passado e, no mínimo, explicando a elas que o dono da festa não é o Papai Noel, que não é por causa dele que o Natal existe. Quantos cristãos fazem isso?”, questiona.
Ela vai além e propõe ainda outras reflexões: “Fiquei pensando quando foi que o Menino Jesus deixou de ser protagonista de sua própria festa de aniversário. Jesus, o profeta a quem, pelo menos nas estatísticas, um terço da humanidade dedica sua fé, faz uma ponta no Natal hoje em dia. A figura central, a grande estrela da maior festa do mundo cristão é um velho barbudo de aparência nórdica”.
Dom Murilo Krieger, arcebispo de Salvador (BA), também abordou a deturpação do verdadeiro significado do Natal em artigo escrito para a edição deste mês da revista Brasil Cristão. “O que é o Natal? Poderíamos sair pelas ruas de nossa cidade, interrogando quem encontrássemos, crianças ou adultos, agricultores ou comerciantes, estudantes ou donas de casa. Feita a pergunta, ouviríamos respostas tão diferentes que ficaríamos surpresos e pensaríamos: será que todos estão falando da mesma festa? Concluiríamos, então: eis aí uma pergunta que obriga cada qual a posicionar-se, a revelar seus próprios segredos e o que pensa a respeito do Evangelho”, afirmou.
Segundo ele, o Natal não é um apelo à nossa boa vontade e, sim, do alegre anúncio da bondade de Deus. “Estamos aqui diante da suprema manifestação de Seu amor: Deus tanto nos ama que nos presenteia com o seu Filho. O Natal nos ensina que há duas maneiras diferentes de manifestarmos o nosso amor. A primeira é dando presentes. Foi assim que Deus expressou seu carinho na criação: deu-nos o sol, as flores e o ar; a lua, a água e as sementes. A outra maneira é mais difícil: trata-se de sofrer pela pessoa amada. Foi assim que Jesus, o enviado do Pai, nos amou na encarnação”.
O arcebispo conclui dizendo que, “por tudo isso, essa festa, além de marcada pela alegria de todos, é muito especial para Deus: vendo-nos acolher o Seu Filho, e vendo–nos, particularmente, sendo acolhidos e aceitos por ele, como irmãos, o Pai eterno pode dizer a cada um de nós o que disse, referindo-se a ele, em dois momentos de sua vida (Batismo e Transfiguração no Tabor): ‘Tu és meu filho muito amado!’”.
O outro lado
Na contramão desse movimento de consumismo do Natal, podem-se ver verdadeiros exemplos de cristãos que entendem e vivenciam essa época como um período de nascimento e de agradecimento por tudo que Cristo é e significa. Essas pessoas entendem o papel lúdico do Papai Noel, dos presentes e das expectativas que esse período gera em crianças, jovens e até mesmo adultos. Pessoas que entendem que, assim como São Nicolau, todos somos e temos que exercer nosso papel de Papais e Mamães Noeis não só no natal, mas em todas as épocas do ano, se doando, ajudando e promovendo dignidade aos mais necessitados.
Há mais de três anos, os Correios no Brasil inteiro lançaram uma campanha de Adoção de Cartinhas de Natal. Milhares de crianças, na esperança de serem atendidas pelo “Bom Velhinho”, enviam cartas endereçadas ao Papai Noel e, para atendê-las, os Correios lançaram mão das ações populares. Contando com o apoio de pessoas que se colocam como padrinhos e ajudantes, ao longo desses últimos três anos, realizaram o sonho de mais de um milhão de crianças. Sonhos que vão desde bicicletas, bonecas e demais desejos de consumo, até as mais reais necessidades, como cesta básica, material escolar, pedido de emprego para os pais e até cura de doenças.
O casal Renan e Bianca Lima é um dos milhares de padrinhos que ajudam nessa ação. Todos os anos eles adotam uma ou mais cartinhas e mobilizam parentes e amigos para que façam o mesmo. Este ano, eles se propuseram a recolher as doações dos amigos e eles mesmos levarem aos correios para que, assim, pudessem otimizar as doações e contar com a participação de todos, até mesmo daqueles que, muitas vezes, não adotavam as cartinhas por falta de tempo.
Para Leonardo, paroquiano do Santuário de Vila Velha e funcionário dos Correios há mais de 20 anos, essa época e os pedidos mais diversos recebidos nas cartas de Natal são uma verdadeira dádiva de Deus, uma oportunidade única de enxergar que as dificuldades que achamos que temos na vida são muito pequenas dentre as tantas necessidades e apelos de irmãos com realidades tão diferentes. “Que neste e nos próximos natais possamos ter mais e mais cartinhas para serem adotadas, mais sonhos a serem realizados, mas necessidades a serem atendidas, mais padrinhos e ajudantes, não só para essa ação dos Correios, mas também para outras tantas que busquem o verdadeiro sentido do Natal de se fazer presente e de ser presente. De nascer em Cristo todos os dias para a caridade e o amor ao próximo”.